domingo, 27 de julho de 2008

Geração Digital

Geração digital
Os consumidores jovens vivem, se divertem e se relacionam online. Como as empresas tentam conquistá-los

Julia, 16 anos, Lucas, 14, Ernesto, 19, e Luisa, 15: a mídia faz parte da vida deles
Por Ricardo Cesar

EXAME
Dia de calor e trânsito carregado em São Paulo. A cidade tenta se reorganizar após uma greve de metrô na véspera. Mas isso é lá fora. E o que se passa lá fora pouco interessa a Julia Rocha, uma paulistana de 16 anos, desde que ela botou os pés em casa e grudou os olhos no computador, como sempre faz ao chegar do colégio. Em sua página pessoal no site de relacionamento Orkut, as amigas deixaram recados e mais recados. "Vamos na festa, sim!", diz uma delas. "Descobri umas coisas... babado forte", escreve outra. Mais um segundo e estão todas conectadas pelo comunicador instantâneo Windows Live Messenger. O malabarismo de diálogos e janelas piscantes pode parecer caótico, mas, para Julia, é tão natural quanto participar de uma roda de conversa. Entre o colégio e a academia, o tempo livre que sobra para Luisa Sottili, de 15 anos, é dedicado ao computador. Ela procura as músicas que vai ouvir no seu tocador de MP3. Lucas Meyer, de 14, fica no máximo 3 horas por dia conectado, entre o fim da tarde e o começo da noite. O limite é imposto pelo pai. Se pudesse, ficaria outras 3 horas, mas é preciso reservar tempo para estudar. Ernesto Cassavia, de 19 anos, mantém contato com mais de 350 jovens no Orkut. É pela rede que ele organiza as festas que promove regularmente. Para os quatro, o tempo para TV ficou espremido entre uma espiada nas fotos mais recentes dos amigos e a ronda diária dos blogs. Em meio à programação, eles respondem a mensagens de texto que chegaram pelo celular. Esses adolescentes fazem parte de uma geração que, apesar do dinheiro contado no bolso, tem influência decisiva nas compras da família. Dentro de alguns anos, serão jovens adultos, o grupo mais desejado pela indústria de bens de consumo e pelas fornecedoras de serviços -- e o marketing das empresas que quiserem conquistá-lo jamais será o mesmo.
A geração de Julia, Luisa, Lucas e Ernesto representa uma ruptura essencial. Para seus pais, a tecnologia é apenas um complemento de sua vida. Serve para comparar o preço de um eletrodoméstico, acessar o site do banco ou agilizar a comunicação no escritório. Mas, na maior parte do tempo, as tarefas e as interações do dia-a-dia são feitas pelo bom e velho telefone fixo ou, melhor ainda, pessoalmente. Para os quatro adolescentes, essa separação entre o real e o virtual é imperceptível. Eles nasceram e cresceram na rede -- e, mais importante, em rede. A conversa começa na sala de aula e termina em casa, pelo Messenger. Os detalhes da ida ao cinema são acertados numa troca de mensagens de texto pelo celular. As reclamações sobre a prova do dia anterior ficam registradas na comunidade do professor de física que os colegas criaram no Orkut. Para a geração digital, sem celular, comunidades online ou blogs não há vida. Isso quer dizer pouca coisa para uma companhia como a Votorantim, para a Vale do Rio Doce ou para a área de grãos do grupo Bunge. Mas para operadoras de celular, bancos, montadoras de automóveis, fabricantes de desodorantes e jeans, vendedores de CDs e de protetores solares -- entre milhares de outros produtos e serviços -- já é vital entender a importância e a profundidade dessa transformação cultural e aprender a lidar com ela. A internet não é a panacéia para os problemas de marketing das empresas -- a relação entre negócios e esses jovens consumidores é nova e, normalmente, difícil. Ela também não varrerá da história as outras mídias -- provavelmente se integrará a elas na luta pelo coração e pela mente do consumidor. Mas é certo que sua importância e alcance só aumentarão daqui para a frente. Neste ano, as vendas de PCs no Brasil crescerão cerca de 30%. Uma parte disso deve-se às classes C e D, beneficiadas pelo maior acesso ao crédito. No primeiro semestre, o comércio eletrônico brasileiro movimentou 1,7 bilhão de reais, 80% mais do que no mesmo período do ano passado.
Os investimentos em publicidade movimentam 428 bilhões de dólares em todo o mundo e 16 bilhões de reais no Brasil. Mas a divisão dessa montanha de dinheiro já não corresponde ao tempo que boa parte dos consumidores, especialmente os mais jovens, dedica ao crescente número de mídias à sua disposição. Um recente estudo mostrou que os adolescentes americanos passam, em média, 6 horas e meia por dia assistindo à TV, jogando videogames e navegando na internet. Durante um terço desse tempo, a atenção fica dividida entre duas atividades: teclando com um amigo com a televisão ligada, por exemplo. Qual dos dois canais é o mais eficiente para atingi-lo? Provavelmente ambos. E mesmo assim é mais que razoável supor que haverá dezenas de flancos abertos. A tecnologia digital permite que o mundo de informações seja fatiado em pedaços cada vez menores, que representam somente o interesse individual de cada consumidor. E não se iluda: ninguém organiza o caos de informação da Era da Internet como os jovens. Um adulto pode chamar esse comportamento de síndrome do déficit de atenção. Um adolescente vai dizer que é apenas seu estilo de vida.
Admirável mundo novo
Até bem pouco tempo atrás, atingir o público com campanhas massificadas era uma tarefa muito mais simples. Com a fragmentação da mídia — e da atenção dos consumidores —, a vida dos homens de marketing ficou complexa. Confira
O consumidor de ontem O consumidor de amanhã
Estava preso a alguns poucos canais da TV aberta e a emissoras de rádio — e suas respectivas grades de programação Tem infinitas opções de entretenimento eletrônico, com controle individual sobre o que assistirá e quando
Era submetido a programas criados para agradar à média e atingir o maior número possível de telespectadores Encontra programas mais adequados a seu gosto — muitas vezes, esse conteúdo é doméstico, produzido por gente como a gente
Recebia informação apenas dos grandes veículos Divide sua atenção entre os veículos tradicionais e blogs, fotologs, podcasts e videoblogs
Era alvo da comunicação massiva das grandes marcas Interage com as grandes marcas de maneira voluntária, buscando sua publicidade preferida na internet
Estava preocupado apenas em seguir o padrão da maioria Deseja ser único — e mostra isso participando de comunidades e criando sua marca online
Consumia a mídia predominantemente nos momentos de lazer Sua vida existe em torno da mídia: do relacionamento com amigos no Orkut ao telefone celular
Não há lugar melhor para entender a geração digital do que a rede de relacionamentos Orkut, serviço do Google que em menos de três anos se tornou o mais visitado, mais abrangente e mais comentado site da internet em língua portuguesa. Como se sabe, o Orkut é uma enorme teia de páginas pessoais. Cada usuário cria um perfil individual, no qual coloca um retrato, suas informações básicas e seus interesses, como músicas, livros e filmes prediletos. Há um espaço para exibir os amigos e outro dedicado a listar as comunidades, que podem ser criadas por qualquer usuário e são simplesmente uma versão mais refinada dos interesses pessoais. O grupo intitulado "Eu amo chocolate", por exemplo, tinha mais de 1,6 milhão de membros na última contagem. No trimestre encerrado em julho, o Orkut exibiu mais de 28 bilhões de páginas no Brasil. Todos os outros serviços do Google somados, incluindo a ferramenta de busca, não chegaram a 4,5 bilhões. Os 13 milhões de internautas residenciais brasileiros ficaram, em média, 10 horas e 8 minutos navegando pelo Orkut. O portal UOL, distante segundo colocado, segurou a atenção dos internautas por 2 horas e 50 minutos. Esses dados foram medidos pelo serviço Ibope NetRatings e levam em conta somente os usuários residenciais. A vantagem do Orkut, portanto, talvez esteja exagerada -- mas não muito, afinal de contas, o site é campeão de popularidade entre os que querem matar o tempo no escritório e no colégio.
Kd vc?
Os jovens de 12 a 17 anos de idade respondem por uma parcela importante da audiência de alguns dos sites mais acessados do país
Fotolog.net
Exibição de fotografias pessoais
31,7% Youtube
Compartilhamento de vídeos
27,4% Wikipedia
Enciclopédia online
22,5% Orkut
Rede de relacionamentos online
21,4% Windows Live Messenger
Comunicador instantâneo
21%
Fonte: IbopeNetRatings
Anunciar no Orkut, então, é um bom começo para chamar a atenção dos consumidores conectados, especialmente os mais jovens, que são 21% dos usuários da rede de relacionamentos. Ou melhor, seria um bom começo. O Orkut não veicula nenhum tipo de publicidade. Nada. O serviço não rende um único centavo de receita. A mais valorizada propriedade da internet para os brasileiros é uma área livre de anúncios, talvez o maior espaço virtual do mundo em que publicidade não entra. "Embora seja muito grande no Brasil, o Orkut é uma operação relativamente pequena para o Google mundial", diz Alexandre Hohagen, responsável pela subsidiária brasileira da companhia. De acordo com Hohagen, não há perspectiva de que essa situação vá mudar no futuro próximo. Para as empresas que gostariam de comunicar-se com jovens consumidores por meio do Orkut, a porta está fechada.
Vídeos do YouTube
O site que permite postar e assistir a filmes começa a ser explorado como ferramenta de publicidade
Joga Bonito
Uma única peça da campanha da Nike, com Ronaldinho Gaúcho, foi vista mais de 8 milhões de vezes — sem custo nenhum para a empresa.
Folgers
A Procter & Gamble postou no YouTube uma propaganda de seu café solúvel. O tom de humor negro caiu no gosto dos jovens consumidores.
Twix
A propaganda do chocolate foi lançada no YouTube e depois chegou à televisão. Foi sucesso instantâneo: cerca de 90 000 pessoas já assistiram ao vídeo.
O serviço inteiro, diga-se, pode fechar as portas. No final de agosto, o Ministério Público Federal entrou com uma ação na Justiça brasileira exigindo indenização de 130 milhões do Google do Brasil pela veiculação de conteúdo ilegal no site, como mensagens de pedofilia e racismo, além de multas pela não-abertura do sigilo de usuários responsáveis por esses crimes. O Google afirma que as informações estão armazenadas nos Estados Unidos e que, portanto, estão sujeitas à legislação daquele país. O site MySpace, lançado em julho de 2003 nos Estados Unidos, tem um modelo muito semelhante ao do Orkut e conta com 100 milhões de usuários cadastrados. Lá como cá, a gigantesca teia de relacionamentos online surgiu no subterrâneo da rede e tornou-se um fenômeno cultural cujas implicações ainda não foram inteiramente compreendidas. Mas o que os empresários americanos já descobriram é que as redes de relacionamentos valem dinheiro -- e muito.
Há um ano, o MySpace foi comprado por Rupert Murdoch, dono do grupo de mídia News Corp., por 580 milhões de dólares. Aos 75 anos, o empresário australiano foi o primeiro a perceber que redes como o MySpace e o Orkut são uma transformação enorme para o negócio de comunicação. "Sociedades ou empresas que esperam que um passado glorioso as proteja das forças das mudanças movidas pelo avanço tecnológico vão fracassar e cair. Uma nova geração de consumidores de mídia surgiu demandando que o conteúdo seja entregue quando eles quiserem, como quiserem e exatamente onde quiserem", disse Murdoch num discurso proferido em março. Ele não ficou somente nas palavras. Recentemente, o MySpace anunciou que vai receber 900 milhões de dólares do Google. A mesma empresa que não quer publicidade no Orkut será a fornecedora exclusiva de buscas e links patrocinados dentro do MySpace. Companhias como Unilever, Disney, Fox e Pepsi também criam comunidades para suas marcas e aproveitam as celebridades do MySpace como garotos-propaganda. A outrora anônima Christina Dolce reuniu mais de 900 000 amigos. Com uma rede desse tamanho, ela foi contratada para promover o desodorante Axe, da Unilever. Christina também se valeu da fama para lançar uma grife de jeans. "No Orkut, o usuário é protagonista, personagem. Não é apenas um telespectador", diz Pedro Cabral, presidente da AgênciaClick, uma das maiores agências de publicidade online do país. "É natural que isso seja mais atraente do que ver a novela das 7."
O cinema não morreu com o videocassete, o rádio não sucumbiu à televisão, e todos vão sobreviver à internet. Mas os hábitos mudam com velocidade cada vez maior -- e será preciso que o mundo dos negócios se adapte a eles. Um estudo feito em conjunto pelas consultorias IDC e RKM Research com pessoas de 15 a 24 anos que usam ativamente a internet no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia mostrou que a TV é mais associada a conceitos negativos, como "inconveniente" e "entediante". Mas os entrevistados derreteram-se em adjetivos positivos para a web, classificando-a de "divertida" e "necessária". É claro que por aqui a juventude conectada faz parte de uma minoria privilegiada. Mas já são 32 milhões de brasileiros que usam a internet, dos quais 9 milhões têm banda larga em casa. Os computadores estão tomando o lugar dos celulares como objetos de desejo das classes C e D. Isso ajuda a explicar por que uma pesquisa de campo encomendada há poucos meses por uma grande empresa para verificar os hábitos dos jovens da periferia do Rio de Janeiro trouxe um resultado surpreendente. Ao lado de respostas esperadas, como freqüentar bailes funk, a internet apareceu como uma das opções de lazer preferidas desse público. Além disso, os brasileiros são campeões mundiais em horas mensais de acesso à rede, à frente de japoneses e americanos. E são os mais novos que puxam a média para cima. Em junho, os brasileiros com idade entre 12 e 17 anos ficaram conectados 28 horas e 30 minutos em casa, segundo o Ibope NetRatings. Já os internautas com idade entre 45 e 54 anos navegaram 16 horas e 47 minutos no mesmo período. Por tudo isso, o Brasil pode ser enquadrado entre os países em que essa mudança de comportamento é uma realidade.
As transformações na forma como os negócios se relacionam com esse público ocorrem num ritmo mais lento -- tanto aqui como no resto do mundo. Para as empresas, a internet ainda é um território desconhecido e, portanto, inseguro. Sabe-se que nem tudo o que elas fizerem para conquistar a atenção desse novo consumidor dará certo. Hoje, apenas 1,7% do bolo publicitário nacional vai para a web. A televisão fica com 60% dos recursos. Nos Estados Unidos, a propaganda online responde por apenas 6% do total. Mas, até por partir de uma base modesta, a publicidade interativa cresce a taxas anuais superiores a 30% tanto no Brasil como no mercado americano. "A internet responde por mais de 25% do tempo de consumo de mídia nos Estados Unidos", diz Jeff Lanctot, vice-presidente da agência de mídia digital Avenue A Razorfish. Os tradicionais banners publicados em sites de grande audiência ainda são a regra, mas começam a aparecer formatos realmente inovadores. O McDonald's criou uma promoção com o jogo online Ragnarök, um universo virtual pelo qual já passaram mais de 1,5 milhão de jogadores e que conta com 200 000 assinantes só no Brasil. O Ragnarök mistura jogo com conversas instantâneas. Cada jogador assume uma personalidade online e pode circular livremente pelo universo, encontrando amigos, participando de disputas e acumulando pontos. Os clientes da rede de lanchonetes recebiam créditos de acesso gratuito nas lojas e, uma vez dentro do jogo, ganhavam poderes especiais se comprassem um sorvete de casquinha nos quiosques virtuais.
Discutindo o relacionamento
Empresas brasileiras estão experimentando maneiras diferentes de comunicar-se e de entender os anseios dos consumidores jovens
Skol
A cervejaria criou um “mini-Orkut” para promover o festival de música Skol Beats, que aconteceu em maio. Os usuários também podiam montar uma grade de programação do evento e baixá-la no celular
Gradiente
Para lançar um modelo de celular, a empresa criou uma competição dentro do Windows Live Messenger para eleger os melhores vídeos feitos com telefones móveis
O Boticário
No ano passado, a companhia contratou a consultoria especializada e-Life para monitorar o que os consumidores falam de seus produtos na internet, sobretudo em blogs e no Orkut
McDonald’s
No início do ano, um sorvete comprado nas lojas do McDonald’s dava direito a um dia de acesso gratuito ao jogo online Ragnarök. Dentro do game, adquirir uma casquinha de sorvete garantia poderes especiais
O Ragnarök tem um alcance pequeno perto do Windows Live Messenger. O comunicador instantâneo da Microsoft, antigamente chamado MSN Messenger, é um dos maiores fenômenos de mídia no Brasil. Com 20 milhões de contas ativas no mês de julho, o país fica atrás apenas dos Estados Unidos em usuários do programa. Quem usa o Messenger para conversar fica quase 5 horas por mês conectado ao programa, de acordo com o Ibope NetRatings. A cada dia, cerca de 800 milhões de mensagens instantâneas circulam pela rede brasileira do Messenger -- e cada uma delas tem espaço reservado para publicidade. "A Microsoft está se transformando numa empresa de mídia", diz Osvaldo Barbosa de Oliveira, diretor do MSN no Brasil. Companhias tão diferentes como Bradesco, Nivea, Intel ou Coca-Cola também fizeram ações promocionais e interativas no software de comunicação. No último ano fiscal, a divisão MSN faturou 2,3 bilhões de dólares mundialmente.
Para o lançamento de um novo modelo de telefone celular capaz de gravar vídeos, a Gradiente destinou 30% da verba de 6 milhões de reais de publicidade para a Microsoft. Mas o problema de capturar a atenção dos clientes não se resolve com uma simples divisão de recursos. Internet significa interatividade, e escapar de uma campanha malfeita é mais simples do que apertar um botão no controle remoto. Para atrair os consumidores, a Gradiente criou um concurso de vídeos feitos com celulares, com votação dos próprios usuários. Nos primeiros 40 dias da campanha, o serviço teve mais de 1 milhão de acessos. "Antes os anunciantes impunham o que ia ser visto e quando ia ser visto. Agora as pessoas escolhem -- e até produzem o próprio conteúdo. É uma grande mudança", disse a EXAME Brian Fetherstonhaugh, presidente mundial e executivo-chefe da OgilvyOne, braço de mídia interativa do grupo Ogilvy, um dos gigantes mundiais do marketing. "O consumidor assumiu o controle."

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